Cuba

    É oficial, sou um criminoso em Cuba

    Olho em volta e vejo cabeças inclinadas para baixo, olhando para os telefones, exatamente como em outras partes do mundo. Porém, há um pequeno detalhe que faz toda a diferença.

    Apesar do site da empresa estatal de telefonia, ETECSA, divulgar preços de vários tipos de serviços, o único acesso que encontramos em hotéis, no aeroporto e praças em Havana, foi via cartões pré-pagos que oficialmente custam 2 CUC (US$ 2) por hora. Porém, na prática, eles são comercializados por 3 ou 4 dólares.

    O cartão vem com duas sequências de números. Um é seu nome de usuário e o outro, a senha. Assim que você se conecta à rede, o tempo começa a ser computado. O intervalo de uma hora pode ser usado em um período de 30 dias, de uma só vez ou em diferentes momentos e em qualquer praça ou estabelecimento parceiro com rede Wi-Fi.

    Desde que Raul Castro permitiu a comercialização de telefones celulares para a população em 2008, uma parte dos cubanos passou a ter seu aparelho, mas não há rede de dados 3G no país e os modelos antigos, que servem apenas para fazer ligações e enviar SMS, são os mais comuns.

    Os smartphones presentes em várias partes do mundo são raros na ilha. O dono de uma das casas em que ficamos hospedados nos disse que a ETECSA até vende telefones mais sofisticados, mas o preço é proibitivo. Por isso, as pessoas que querem usar a Internet acabam comprando smartphones nas ruas, como ele definiu.

    Em algumas partes da cidade é possível ver estes aparelhos nas mãos de grupos de pessoas sentadas em bancos e calçadas. É assim, usando o Wi-Fi em lugares públicos, que muita gente acessa a Internet por aqui.

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    Navegando pelo site da ETECSA, percebi que ter conexão em casa parece uma tarefa bem complicada. Também encontrei artigos dizendo que as filas de espera são enormes e muitos papéis precisam ser preenchidos. Pode ser que as pessoas prefiram pagar mais e navegar nas praças para evitar a burocracia e a demora oficiais.

    Nas ruas, é tudo muito simples. Há cambistas oferecendo os cartões por 3 ou 4 dólares. E alguns hotéis, visivelmente os mais caros, têm algum tipo de conexão direta com a rede da ETECSA no saguão e os hóspedes podem usar a Internet como se estivessem nas praças. O mesmo acontece no aeroporto e em outros espaços para os mais afortunados.

    Como o processo de conexão é idêntico, teoricamente todos poderiam entrar e sentar nas confortáveis poltronas para usar a rede. Mas há uma clara segregação. Os olhos claros da Andreia e possivelmente as nossas roupas, abriam as portas de qualquer hotel. Entrávamos e usamos a Internet confortavelmente nos saguões sem nenhuma complicação.

    Já os cubanos, estavam sempre sentados nas calçadas do lado de fora aproveitando o Wi-Fi que vaza pelas janelas.

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    Infelizmente, só descobri essa internet de luxo nos últimos dias da viagem. Melhor assim porque pude experimentar o que as pessoas comuns têm que fazer para usar a rede. E o curioso é que, mesmo nos hotéis, há também um custo adicional. Um casal de ingleses nos disse pagar US$ 2,50/h para comprar os cartões na recepção.

    Se você já tem seu cartão, basta chegar a um espaço com Wi-Fi e começar a navegar. Ninguém o perturbará. Para os que precisam de um cartão, basta começar a perambular pela praça, olhando de um lado para outro, e os sussurros começarão:

    Wi-Fi? Wi-Fi? Wi-Fi? Wi-Fi?…

    Nunca comprei drogas ilegais na vida, mas foi o que imediatamente me veio a mente. É engraçado demais. Você entrega o dinheiro e te dão a mercadoria proibida.

    Como o comércio é ilegal, há sempre um pouco de desconfiança. Os vendedores estão sempre alertas, olhando para todos os lados durante a transação. Alguns escondem os cartões embaixo de algum banco da praça, outros já são mais ousados e andam com os materiais ilegais no bolso ou nas mãos.

    Na minha última incursão até a praça Parque Fe del Valle, notei a ação (?!) da polícia constrangendo os traficantes de Internet. Os policiais, que segundo nos disseram os locais, têm os melhores salários oficiais, eventualmente perambulam pela praça enquanto o uso da rede continua tranquilamente. Mas nessas horas de ronda, o tráfico é temporariamente suspenso.

    Como eu precisava de um cartão, fiquei sentando no banco esperando a polícia partir. Já era fim de tarde e presumi que sairiam logo, mas não aconteceu. Resolvi andar para fora da praça, imaginando que os fornecedores estariam realizando seu trabalho nas imediações, mas não tive sucesso. Decidi que daria uma última volta na praça e se ninguém me oferecesse cartões eu partiria.

    Certamente, a polícia não teria trabalho nenhum para identificar os criminosos e impor a ordem. É muito fácil localizar as pessoas certas. Em um espaço onde os frequentadores vão basicamente para usar a Internet, basta correr os olhos e procurar os que não estão fazendo isso. Dito e feito. Quando comecei a perambular em volta de um grupo suspeito, fui logo abordado:

    Wi-Fi? Wi-Fi? Wi-Fi?…

    Fiz que sim com a cabeça e entreguei uma nota de 10. Ele olhou para o grupo de policiais do outro lado, me entregou um cartão, abriu a carteira, olhou em volta mais uma vez, colocou o dinheiro dentro, disfarçou mais um pouco, olhou novamente para os opressores e me devolveu o troco.

    É oficial, sou um criminoso em Cuba.

    Até onde pude experimentar, é possível acessar qualquer site, mas é bastante lento e muito caro para os cubanos. O maior salário oficial, segundo nos disseram, não chega a US$ 100/mês. Portanto, US$ 3/h (ou mesmo os US$ 2/h oficiais) é claramente um luxo que só está disponível para os cubanos que têm seu próprio negócio.

    Nas praças de Internet, há uma divisão clara na forma de uso. Os cubanos estão sempre conversando com amigos e parentes que vivem fora do país e esses normalmente têm aparelhos melhores. Usam um aplicativo que nunca ouvi falar para essa conversa em vídeo. Nem consegui entender o nome direito, mas não é o Skype ou nenhum dos que conheço.

    Enfim, enquanto acessar o mundo ainda for caro demais, poucos terão acesso a diferentes fontes de informação. Mas a mudança parece inevitável. Pode ser que demore, mas uma vez aberta esta fresta oficial na represa da informação, cedo ou tarde a pressão será insuportável e a barreira se romperá.


    It is time to go to Cuba

    The fact that President Obama is focusing on reestablishing diplomatic ties with Cuba is a significant development, but it also means that there is a good chance that things will begin to change there at a rapid pace. That’s why we decided it was time to visit Cuba and see the country as it is now.

    We are currently living in Chile, but our passports are from Brazil, which created an interesting story.

    The consular officer typed a form—yes, you heard that correctly, with a typing machine—and asked me to check if my personal information was correct. When I told him that I was born in Brazil, not Chile, he looked at me like I had done something horrible and started typing everything again. 

    After I said all the information was correct this time, he went back to his desk, typed another thing I couldn’t see, attached it to the wrong form, and filed everything. That was something I was not expecting at all. It is a level of bureaucracy that I thought I would only see in a comedy movie.